quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

Angústia
Síndrome do novo ano



O mal-estar do final do ano e a expectativa do novo são muito mais fortes do que a angústia do domingo à noite, porque essas datas marcam com mais exatidão aquilo que se foi, que se perdeu, trazendo a tristeza das promessas não realizadas e o medo de novas frustrações no futuro.


"Odeio o final de ano", "odeio festas", "o fim de ano pra mim é uma obrigação familiar", "odeio esse consumismo", "me sinto só neste emaranhado de gente comprando". Ao ouvir essas expressões de seus pacientes nesta época, a psicanalista Lea Waidergorn diz ter a sensação de que essas pessoas falam "de uma profunda angústia, de um terror sem fim". O que ela chama de "inferno astral de fim de ano".
A manifestação de sentimentos negativos do início do ano caminha em direção oposta aos objetivos das festas do natal e ano novo. "Embora exista uma intenção comunitária e social de estar junto para comemorar o que foi bom e o que poderá vir a serem bons, os relatos são de solidão. Que contradição! É uma festa da solidariedade, da fraternidade, da comunhão".
Nesse contexto, outras frases repetidas nesses períodos são: "não tenho para onde ir ao natal" ou "não tenho muito a ver com a minha família". "Não tenho planos para o próximo ano", "nunca alcanço meus objetivos". No natal, a proposta de comunhão é instituída de fora, ou seja, construída socialmente e pode ser vista no avesso. Isto pode provocar nas pessoas o sentimento de não ter nada a ver com quem se relaciona. No início do ano, passada a euforia das festas, há uma natural reflexão sobre as realizações e frustrações tanto do passado quanto para os planos do novo ano. "E isso é gerador de profunda angústia. Traz sentimentos de orfandade, muitas vezes de falta de perspectiva e gera muitas dúvidas", explica a psicanalista.

Pequenas crises que levam a instabilidades envolvem emoções que podem variar segundo a perda ou o medo do novo

O tempo está sempre presente assim como as passagens de começo, meio e fim  nas mudanças corporais, nos jogos infantis, no ritmo pessoal diário de cada um, no calendário mensal e anual, nas estações e nas viradas de ano. Estar continuamente iniciando e terminando é intrínseco ao ser humano. "Não ter um projeto é não ter futuro, é a impossibilidade, é a morte. Ficar no mesmo também é vivido como horror".
As fases de vida passam por projetos que se modificam ao longo dos anos: planos infantis são uns; de adultos, outros e os da maturidade também são específicos, segundo a psicanalista. as diferentes fases da vida levam à concretização de realizações distintas importantes para aquela fase específica. "o sonho vai se tornando realidade e ocorre uma incorporação que se amplia na vida, relativa a leques diferentes, seja na vida pessoal, amorosa, intelectual e social", diz.
Portanto, as passagens implicam mudanças. Pequenas crises que levam a instabilidades envolvem emoções que podem variar segundo a perda ou a aquisição de sentimentos de tristeza ou frustração pela perda, além do medo do novo e do futuro. "Há uma desestabilização daquilo que estava antigo. Há uma perspectiva de transformação, mas há também um medo de não conseguir concretizar", informa.
"O novo ano, para mim, se enquadra nessa perspectiva: há um movimento processual que é marcado por uma data de celebração da passagem do velho para o novo. a própria música 'adeus ano velho, feliz ano novo, que tudo se realize no ano que vai nascer' representa uma perspectiva, um sonho, um projeto marcado por um montante de angústias e medos acoplados aos projetos de esperança para o futuro", destaca.
Cada um vivencia as passagens de acordo com a sua história pessoal. Pessoas que, de modo geral, enfrentaram um ambiente de instabilidade tendem, em situações novas, mu- danças ou passagens, a viver angústias impensáveis que se manifestam de formas diversas: pânico, depressão, defesas obsessivas etc. "Uma pessoa mais instável emocionalmente terá maior chance de vivenciar a passagem do ano e tudo que sua transição pode trazer, com mais angústias", acrescenta a psicanalista.


Mesmo com uma proposta de solidariedade e de celebração , o clima de final de ano
 
pode ser de angústia, por trazer sentimentos de orfandade e de falta de perspectiva.




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