quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

É comum um doente com esclerose múltipla ser confundido com um bêbado, ser discriminado no trabalho, ter medo de ser despedido ou não ter condições de acesso a edifícios públicos.  Uma patologia que afeta, sobretudo jovens adultos entre os 20 e os 40 anos, mas que tem tratamento.




Claudia Rodrigues afastada da TV há um ano e três meses para tratar de esclerose múltipla, ...


Cansaço, desequilíbrios e alterações da coordenação motora, espasticidade, problemas de visão, dificuldade em urinar, perturbações na fala e da articulação verbal, alterações sensitivas (como mãos adormecidas), problemas cognitivos e psicológicos.

Tudo isto são sintomas de esclerose múltipla, uma doença crônica, inflamatória, desmielinizante (a inflamação danifica as bainhas de mielina das células nervosas) e degenerativa que afeta o cérebro e a medula espinal, interferindo com a capacidade de controlar funções como a visão, a locomoção e o equilíbrio.

A esclerose múltipla atinge cerca de cinco mil portugueses e cerca de 2,5 milhões de pessoas em todo o mundo. São sobretudo jovens adultos em idade ativa, entre os 20 e os 40 anos de idade e de raça branca. As mulheres são as mais afetadas, apresentando duas vezes mais probabilidades de desenvolver a doença do que os homens.

A prevalência da doença aumenta à medida que nos afastamos do Equador, pensando-se que a menor exposição solar (baixos níveis de vitamina D) aumenta o risco.

A etiologia não é totalmente conhecida, falando-se em fatores ambientais e em fatores genéticos/hereditários. O eventual papel de determinados vírus também tem sido equacionado, mas ainda sem evidências científicas seguras de que exista uma relação.

A esclerose múltipla é considerada uma doença auto-imune porque o sistema imunológico do organismo dos doentes volta-se, não apenas contra ameaças externas (como bactérias e vírus), como seria normal, mas sim contra o próprio, desencadeando-se uma reação inflamatória.

A doença será, portanto, causada por uma combinação de fatores: à susceptibilidade hereditária para desenvolver a doença junta-se um fator ambiental que ativa o sistema imunológico, atacando o sistema nervoso central.

O diagnóstico da esclerose múltipla é clínico e diferencial, sendo preciso despistar a existência de doenças com sintomas comuns, como lúpus, doenças reumatológicas e doenças metabólicas, e recorrer a exames clínicos/exames complementares de diagnóstico (Ressonância Magnética Nuclear, Estudo de Potenciais Evocados e Punção Lombar).

Além da imagem, também o intervalo entre os surtos e a evolução permite determinar se estamos em presença de formas mais graves ou mais leves da doença.



“Discriminação é uma realidade”

Paulo Pereira (con)vive com a esclerose múltipla há mais de 10 anos. Os sintomas surgiram muito antes do diagnóstico. “Na altura, estava a terminar a licenciatura em Matemática, sentia as mãos adormecidas. Também me sentia cansado. Não liguei. Arranjava sempre desculpas. Só mais tarde os sintomas começaram a agravar-se”, lembra.

Hoje com 46 anos de idade, Paulo é professor do departamento de Matemática da Universidade do Minho e presidente da Direção da Associação Todos com a Esclerose Múltipla – TEM. “Não sou, nem quero ser o coitadinho”, sublinha.

Paulo sente-se um privilegiado. Quando precisa  ser substituído numa aula, pede a um colega. No entanto, “a discriminação no trabalho é uma realidade. Há pessoas que tentam esconder a doença, com medo do patrão. Estes as obrigam a executar tarefas que não podem desempenhar, obrigando-as a demitirem-se”.

A maioria dos doentes com esclerose múltipla sofre de cansaço crônico. “Os patrões não permitem um descanso de 10 a 15 minutos, que pode ser suficiente. Ainda se confunde o cansaço crônico com “preguicite” e há sempre alguém ao lado que se aproveita”, lamenta.

A culpa é do desconhecimento generalizado. “A população em geral não sabe o que é a esclerose múltipla, confunde com doenças que não têm nada a ver, como doenças dos ossos”.

O desconhecimento sobre a esclerose múltipla contribui, assim, em larga medida, para a discriminação e para a estigmatização que continuam a existir na sociedade, quando as respostas estão à distância de um clique.

Para Paulo, as soluções passam por campanhas de sensibilização da população, designadamente junto de jovens adultos, pelo cumprimento da legislação que obriga à existência de rampas para garantir o acesso e a mobilidade dos deficientes, e pela criação do Estatuto do doente crônico que defina claramente o que é a esclerose múltipla, prevendo, por exemplo, que, em caso de surtos, o doente possa descansar, sem necessidade de “meter baixa”.

Aos doentes, o responsável aconselha otimismo: “É como um casamento. Temos de nos adaptar à doença. Aqui não existe possibilidade de divórcio”.



Nenhum comentário:

Postar um comentário