É comum um doente com esclerose
múltipla ser confundido com um bêbado, ser discriminado no trabalho, ter medo
de ser despedido ou não ter condições de acesso a edifícios públicos. Uma
patologia que afeta, sobretudo jovens adultos entre os 20 e os 40 anos, mas que
tem tratamento.
Claudia Rodrigues afastada da TV há um ano
e três meses para tratar de esclerose múltipla, ...
Cansaço, desequilíbrios e alterações da
coordenação motora, espasticidade, problemas de visão, dificuldade em urinar,
perturbações na fala e da articulação verbal, alterações sensitivas (como mãos
adormecidas), problemas cognitivos e psicológicos.
Tudo isto são sintomas de esclerose
múltipla, uma doença crônica, inflamatória, desmielinizante (a inflamação
danifica as bainhas de mielina das células nervosas) e degenerativa que afeta o
cérebro e a medula espinal, interferindo com a capacidade de controlar funções
como a visão, a locomoção e o equilíbrio.
A esclerose múltipla atinge cerca
de cinco mil portugueses e cerca de 2,5 milhões de pessoas em todo o mundo. São
sobretudo jovens adultos em idade ativa, entre os 20 e os 40 anos de idade e de
raça branca. As mulheres são as mais afetadas, apresentando duas vezes mais
probabilidades de desenvolver a doença do que os homens.
A prevalência da doença aumenta à
medida que nos afastamos do Equador, pensando-se que a menor exposição solar
(baixos níveis de vitamina D) aumenta o risco.
A etiologia não é totalmente conhecida,
falando-se em fatores ambientais e em fatores genéticos/hereditários. O
eventual papel de determinados vírus também
tem sido equacionado, mas ainda sem evidências científicas seguras de que
exista uma relação.
A esclerose múltipla é considerada uma
doença auto-imune porque o sistema imunológico do organismo dos doentes
volta-se, não apenas contra ameaças externas (como bactérias e vírus), como
seria normal, mas sim contra o próprio, desencadeando-se uma reação
inflamatória.
A doença será, portanto, causada por
uma combinação de fatores: à susceptibilidade hereditária para desenvolver a
doença junta-se um fator ambiental que ativa o sistema imunológico, atacando o
sistema nervoso central.
O diagnóstico da esclerose múltipla é
clínico e diferencial, sendo preciso despistar a existência de doenças com
sintomas comuns, como lúpus, doenças reumatológicas e doenças metabólicas, e
recorrer a exames clínicos/exames complementares de diagnóstico
(Ressonância Magnética Nuclear, Estudo de Potenciais Evocados e Punção Lombar).
Além
da imagem, também o intervalo entre os surtos e a evolução permite
determinar se estamos em presença de formas mais graves ou mais leves da doença.
“Discriminação é uma realidade”
Paulo Pereira (con)vive com a esclerose
múltipla há mais de 10 anos. Os sintomas surgiram muito antes do diagnóstico.
“Na altura, estava a terminar a licenciatura em Matemática, sentia as mãos
adormecidas. Também me sentia cansado. Não liguei. Arranjava sempre desculpas.
Só mais tarde os sintomas começaram a agravar-se”, lembra.
Hoje com 46 anos de idade, Paulo é
professor do departamento de Matemática da Universidade do Minho e presidente
da Direção da Associação Todos com a Esclerose Múltipla – TEM. “Não sou, nem
quero ser o coitadinho”, sublinha.
Paulo sente-se um privilegiado. Quando
precisa ser substituído numa aula, pede a um colega. No entanto, “a
discriminação no trabalho é uma realidade. Há pessoas que tentam esconder a
doença, com medo do patrão. Estes as obrigam a executar tarefas que não podem
desempenhar, obrigando-as a demitirem-se”.
A maioria dos doentes com esclerose
múltipla sofre de cansaço crônico. “Os patrões não permitem um descanso de 10 a
15 minutos, que pode ser suficiente. Ainda se confunde o cansaço crônico com
“preguicite” e há sempre alguém ao lado que se aproveita”, lamenta.
A culpa é do desconhecimento
generalizado. “A população em geral não sabe o que é a esclerose múltipla,
confunde com doenças que não têm nada a ver, como doenças dos ossos”.
O desconhecimento sobre a esclerose
múltipla contribui, assim, em larga medida, para a discriminação e para a
estigmatização que continuam a existir na sociedade, quando as respostas estão
à distância de um clique.
Para Paulo, as soluções passam por
campanhas de sensibilização da população, designadamente junto de jovens
adultos, pelo cumprimento da legislação que obriga à existência de rampas para
garantir o acesso e a mobilidade dos deficientes, e pela criação do Estatuto do
doente crônico que defina claramente o que é a esclerose múltipla, prevendo,
por exemplo, que, em caso de surtos, o doente possa descansar, sem necessidade
de “meter baixa”.
Aos doentes, o responsável aconselha
otimismo: “É como um casamento. Temos de nos adaptar à doença. Aqui não existe
possibilidade de divórcio”.
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